Documentário '3 Obás de Xangô' ressalta força transformadora da amizade entre Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé
27/08/2025
(Foto: Reprodução) Filme retrata a amizade de Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé
Não há como falar da história da Bahia sem tocar no nome dos artistas Jorge Amado (1912-2001), Dorival Caymmi (1914-2008) e Carybé (1911-1997), trio de amigos que representaram uma virada na concepção de baianidade para o Brasil e o mundo. Também não é possível desconectar o trio do candomblé, conforme evidenciado no documentário "3 Obás de Xangô", dirigido e roteirizado pelo soteropolitano Sérgio Machado.
O filme que explora a relação de amizade entre os artistas chega aos cinemas brasileiros no dia 4 de setembro, mas o pré-lançamento da obra acontece nesta quarta-feira (27), às 19h, no Cine Glauber Rocha, em Salvador. O filme já venceu festivais e há algumas semanas ganhou o prêmio de "Melhor Documentário do Ano", pelo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.
Além dos relatos dos próprios artistas, o ator Lázaro Ramos narra cartas trocadas entre os amigos. Também participam do longa-metragem, direta ou indiretamente, Mãe Stella De Oxóssi, Gilberto Gil, o sociólogo e jornalista Muniz Sodré, João Jorge, responsável por fundar o Olodum, bem como outras autoridades religiosas, políticas e intelectuais.
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Documentário '3 Obás de Xangô' ressalta força transformadora da amizade entre Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé
Divulgação
Já conhecido por trabalhos como o filme "Cidade Baixa" (2005), estrelado por Lázaro Ramos e Wagner Moura, Sérgio Machado trouxe uma coletânea de entrevistas com Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé, bem como uma breve trajetória de como os três acabaram no Conselho Obá.
"Tenho um carinho especial pelos três. Eu fui convidado para fazer o documentário sobre eles [...], mas queria achar meu olhar, então procurei o que é que tinha em comum nos três. Aí tem a relação [deles] com o candomblé e essa coisa do afeto", disse o diretor ao comentar a ideia de dar vida ao documentário, em entrevista ao g1.
Documentário '3 Obás de Xangô' foi dirigido e roteirizado pelo soteropolitano Sérgio Machado.
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Importante grupo político e religioso criado pela famosa Mãe Aninha e pelo intelectual Martiniano do Bonfim por volta dos anos 1930, o conselho Obá é formado por diversos representantes e tem o papel crucial de ser ponte entre o Candomblé e a sociedade. Introduzidos no longa-metragem como um ordenamento político-litúrgico, os Obás de Xangô desempenham esse papel de defensores das práticas religiosas afro-brasileiras.
O culto do candomblé, bem como outras práticas de descendência africana, eram não só proibidas no Brasil, mas também punidas com tortura e morte naquela época. Nesse contexto, o Conselho de Obá teve um papel fundamental para a proteção do povo de terreiro e a inclusão de Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé nesse ordenamento é marcada no filme de Sérgio Machado.
Apesar da profundidade do grupo e da jogada quase estratégica de Mãe Senhora em trazer o trio de artistas, o documentário faz uma abordagem suave do assunto. Neste contexto, Jorge Amado e Carybé, que não eram alvos dessa violência, se colocavam como defensores das práticas afro-brasileiras e essa dimensão política entra como um plano de fundo da narrativa do longa.
"É um documentário fundamentalmente sobre eles três e a amizade deles. [...] Um documentário de uma hora e pouco não é o terreno de aprofundar uma questão política tão complexa, mas de levantar questionamentos a serem estudados", opinou Sérgio.
O filme dá destaque para a atuação de Jorge Amado nessa luta por igualdade. Em 1945, o escritor, na época deputado federal eleito, filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi membro da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), responsável pela elaboração da Constituição Brasileira.
Foi neste ano que o ícone itabunense desempenhou um papel essencial ao escrever a lei que assegura, até os dias atuais, o direito à liberdade de culto religioso no país.
O estabelecimento de um imaginário de baianidade
Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé causaram outro impacto que perdura até a atualidade: a materialização de um imaginário de baianidade. O trio é responsável por cantar, escrever e pintar uma visão da Bahia que contrastava com o construído pela lente do preconceito religioso e racial.
A visão deles constituiu uma imagem através da vivência nos bairros mais populares e pobres de Salvador, enfatizando a noção de acolhimento sem diferenças de raça, como praticado em um terreiro de candomblé.
As contradições dessa Bahia popularizada por meio das obras dos artistas não são esmiuçadas, mas a beleza narrada por eles fica clara nas falas dos três e na paixão de cada um por Salvador.
Documentário '3 Obás de Xangô' relembra amizade forte entre Jorge Amado, Dorival Cayimi e Carybé.
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Ponto central do filme, a relação fraterna entre os três amigos é relatada com a ajuda de imagens de arquivo e parte da correspondência trocada entre eles. O orgulho em desempenhar o papel de Obá e propagar o jeito de viver ensinado por Xangô é marcado por meio desses trechos, que se sobrepõem à exibição das obras do trio.
Segundo o diretor, o resgate dessa história, focada em afeto e cumplicidade, é importante, principalmente diante da atual fase de intolerância na sociedade.
"A gente está vivendo um período de muita intolerância racial, religiosa, entre países [...] e acho que é um documentário que fala de afeto, compreensão do outro. De alguma maneira, ele é necessário nos dias de hoje", enfatizou Sérgio.
Esse laço familiar inquebrável entre os artistas e a ideia de acolhimento permeiam toda a obra, que enfatiza a Bahia nascida dos terreiros onde se ensina conexões genuinamente afetivas.
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